Aprecio
as pessoas (e coisas) simples e diretas... incluindo a escrita de forma simples
e com profundidade. Li, nessa categoria, há pouco tempo, no Portal da Mulher
Negra, artigo de Flávia Simas: Morra
de inveja!": Como funciona o racismo estrutural. Ela conta que, de ...
numa época, tão acostumada com as sutilezas
do racismo brasileiro, não ligou muito de uma amiga dizer “morra de inveja”
comparando os seus cabelos (lisos) com os dela (anelados)... até quando ela
mudou bastante, se politizou e percebeu que eu não precisava se calar mais
frente às injustiças que acontecem nesse mundo.
E
não se calou. E disse do racismo
estrutural. Atitudes
racistas são tão "normalizadas" que passam batido. E são dificílimas
de serem vistas, denunciadas e combatidas. É sutil, é quase
imperceptível, mas mantém "cada macaco no seu galho". ...”Estranhamente a realidade não muda. Não
muda o fato de que, num restaurante em que estamos sentados eu, meu marido
(preto) e nosso amigo branco, o garçom tenha entregue a conta ao amigo branquinho,
que nem ia pagar a mesma, pois ele era o nosso CONVIDADO e o garçom teve que
dar uma voltinha para entregar a conta a ele, pois quem estava mais próximo era
meu marido. Não muda o fato de que eu sou extremamente mal-tratada em lojas de
grife em Goiânia mesmo tendo grana pra fazer minhas compras”...
E
disse mais: “Não muda porque, na sociedade brasileira, os lugares estão
demarcados. Gente preta, só no entretenimento. A mulher negra, para ganhar
visibilidade, precisa estar atrelada à imagem de sensualidade. Eu já ouvi
chorume de que 'brancas não podem participar do globeleza, e que isso é racismo
contra brancos'. Sim, meus caros, eu ouvi. A pessoa que escreveu isso não tem
idéia de como o racismo estrutural funciona. Porque ela provavelmente está lá,
no lugarzinho dela de privilegiada. Não entende que o próprio concurso já é uma
aberração, um ato de extrema objetificação da mulher negra, que só é
considerada enquanto corpo, nunca enquanto mente, nunca enquanto alguém que
pode 'apresentar a copa', por exemplo. Não entende que o concurso não está
dando visibilidade às mulheres negras, mas sim mantendo as mesmas em seu lugar:
o de apelo visual, pois é 'pelo corpo que se conhece a verdadeira negra'...”
Encontro
também no ótimo blog “Papo de Homem” o escritor Alex Castro dizendo que o problema do Brasil não é o machismo
individual de uma ou outra pessoa, mas o machismo
estrutural, constitutivo, de nossa sociedade. Ele não
propõe uma reflexão individual sobre nosso próprio machismo porque acredita que
isso não adianta nada. “...Vai ter gente dizendo que não é
machista porque nunca bateu em mulher e outro vai dizer que é machista porque
sente tesão pela bunduda mesmo achando ela burra e chata”. O que ele propõe é
uma reflexão sobre como funciona o nosso país, sobre nossa história, sobre
nossas dinâmicas sociais, sobre nossa política, sobre nosso padrão de beleza, sobre
nossa literatura. E ele diz: ... a própria estrutura da nossa sociedade é tão
arraigadamente machista que não é necessário haver
pessoas-de-opiniões-machistas no controle. ...basta que todos façam seu
trabalho honestamente, que a polícia desconfie sempre das mulheres que gritam
“Estupro!” ou que as agências de publicidade continuem sempre objetificando a
mulher, além de mil outras pequenas coisas que nos soam totalmente naturais, e
pronto, as mulheres continuarão efetivamente afastados dos centros de poder –
sem que exista uma única lei contra elas! Apesar de termos uma presidenta…
Embora
sejam pertinentes suas colocações (importantíssimo analisar do GERAL para o
PARTICULAR), as minhas reflexões vão pelo outro lado, do PARTICULAR para o
GERAL, de como reproduzimos quase diariamente tanto o racismo como o machismo
estrutural. Ontem, conversando com uma das pessoas mais esclarecidas que
conheço, um homem sensível, com bom ouvido e boa fala, eu estava sendo naquele
momento sua escutadora, ele me dizia da sua angústia, estava há uns quinze dias
até com dor de estômago... é que ele estava, digamos, se envolvendo com uma
mulher e se sentindo muito inseguro, “não tenho confiança nela...” Como
acredito que a tarefa de escutadora é ativa, comecei a elaborar perguntas
orientadoras... que poderiam ajudá-lo a refletir... e fomos elaborando:
tratava-se de uma mulher mais nova que ele, bonita, bem sucedida... a sua crise
de baixa estima, embora verdade, não era suficiente para compreendermos mais
profundamente seus sentimentos... então ele me contou que disse a ela sobre
seus projetos de vida no que diz respeito à relações íntimas, ele não pretende
ter uma namorada, pelo menos no sentido formal que entendemos como “namoro”...
e ela recebeu muito bem essa colocação dele, penso que é isso também que quero,
ela disse, uma relação mais livre, sem o que entendemos como “compromisso de
quem que me levar a sério”, o “compromisso tipo prisão, opressão”, ou seja,
sentimos que estamos envolvidos, o que queremos construir... enfim, ela aceitou a sua proposta!!! Foi aí que ele
começou a sentir dor de estômago, foi aí que apareceu a desconfiança, o medo de
não corresponder à pessoa... esses sentimentos, essas angústias... o que
aconteceu na conversa foi muito legal: contei prá ele do machismo estrutural,
conversamos sobre isso e ele foi elaborando... e parece que “a ficha caiu”, foi
terapêutico, ele disse: Nossa, ficou tão claro prá mim que até a dor de
estômago começou a passar!!! Rimos... o riso abre a mente...
E vocês acham que o machismo estrutural acomete somente os homens? De jeito nenhum, nós o reproduzimos também, todos os dias!!! Cena: duas mulheres, amigas, faixa dos 30 todas duas, vendo juntas o FACEBOOK e comentando os posts recebidos nas linhas de tempo de cada uma. E foi compartilhado (por homens interessados, como se fosse um elogio, uma piropa) na linha do tempo das duas, uma imagem bacana com a frase: SE UMA MULHER TIVER MAIS LIVROS DO QUE SAPATOS... CASE-SE COM ELA. Claro que comentaram: A primeira: aí que lindo! Acho que estou nessa categoria! A segunda: Será que ela vai querer casar? Pode ser que não!!! .... e aí? Viram o machismo estrutural? Claro, na primeira...
O
convite é para a reflexão... a discussão... quem sabe abriremos a possibilidade
de fazermos fissuras? ... do PARTICULAR para o GERAL. Prá começar acredito na
postura de humildade (tenho muito medo de gente que diz que não é preconceituoso, não é machista, não é racista...). Esse é o
começo de tudo, a primeira das virtudes! Acabo de receber na minha linha o tempo, merece ser transcrito
(desconheço o autor):
“...
Todos nós temos preconceitos. Fomos criados em uma sociedade que não concorda
com o que difere dela mesma. Portanto precisamos agir como um dependente
químico querendo largar o vício, e começar assumindo os preconceitos.
Precisamos entender que a cultura do preconceito não está somente nos momentos em que alguém ofende diretamente alguém por ser quem ela é, o preconceito vem bem antes disso.
O preconceito está nas nossas brincadeiras, está nas nossas decisões, está nos nossos gostos e valores. Está bem dentro de nós. Não é porque você não ofende um grupo, que você deixa de ter preconceito com ele.
Não há o que se envergonhar. Não é o que temer. Precisamos lutar contra esse tipo de postura desumana”
Precisamos entender que a cultura do preconceito não está somente nos momentos em que alguém ofende diretamente alguém por ser quem ela é, o preconceito vem bem antes disso.
O preconceito está nas nossas brincadeiras, está nas nossas decisões, está nos nossos gostos e valores. Está bem dentro de nós. Não é porque você não ofende um grupo, que você deixa de ter preconceito com ele.
Não há o que se envergonhar. Não é o que temer. Precisamos lutar contra esse tipo de postura desumana”
ASSUMA SEUS
PRECONCEITOS...
POIS SÓ ASSIM VOCÊ
PODERÁ REPENSÁ-LOS E SE LIVRAR DELES.
Santuza TU
Adorei o texto!!!! Bem escrito e instigante!!! Tema super atual e necessário PARABÉNS!!!!!!
ResponderExcluirMuitíssimo obrigada!!! SantuzaTU Participe do nosso blog!!!
ExcluirAgora invertendo a forma, saindo do particular para o geral e iniciando pelo geral. Fazendo inclusive uma contestação a um único momento em que isto é possível num texto de rara inspiração. "Fomos criados em uma sociedade que não concorda com o que difere dela mesma.", entendo que não é uma sociedade que não concorda com o que é diferente dela mesma, ao contrário é um grupo social dominante que elege o que não é ele mesmo como diferente e como inferior à ele. Esse grupo dominante de fato exerce seu domínio e o faz de todas as formas que consegue, a mais eficaz delas é impondo seu entendimento de mundo ao mundo. Explicando o grupo dominante, em nossa história, masculino, europeu, cristão, mantém a dominação sobre o outro ou seja o não masculino, não europeu, não cristão. Como grupo dominante controla os meios de produção, inclusive os meios de produção das consciências (que podemos traduzir como entendimentos de mundo) de tal forma que os entendimentos de mundo do não masculino, não europeu e não cristão vão ser iguais aos entendimentos de mundo do dominante que é masculino, europeu e cristão. Ao final, e então repetindo o elogio ao texto de excelente qualidade, como fomos todos criados por (em) uma sociedade machista, racista e intolerante, temos algo disso em nós por mais que estejamos nos recriando sempre e que a cada dia estejamos mais livres (aqui o nós se refere a cada indivíduo). Obrigado Tu, pelo belo texto.
ResponderExcluirLoh
obrigada LOH, pela sua leitura atenta e comentário super pertinente... bora nos recriar, sempre!!! beijos oxitocinados... TU
ExcluirObrigado LOH, grande amigo e inspirador!!! te amo!!! beijos carinhosos... TU
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