"SOU QUANDO DIVIRJO" Guimarães Rosa
No SBC adoramos conversar, redefinir e/ou resignificar palavras... muitas delas fundamentais no nosso vocabulário, e cujo sentido nos foi "imposto", "enfiado goela abaixo" - e o "sentido" da palavra determina a maneira de pensarmos sentirmos e agirmos... e, por fim, geram inúmeras distorções, sofrimentos e repetições de um sistema relacional e de uma maneira de ver o mundo distorcidos - e reproduzimos este sentido (ou significado, ou conceito) na nossa visão de mundo, das relações e de nós mesmxs.
O AMOR é uma dessas palavras - entendido, internalizado e vivido de forma tão distorcida, gerando tanto sofrimento desnecessário - que precisamos urgentemente começar a resignificar nas nossas vidas; outros conceitos distorcidos - de "caso pensado", diga-se - num sistema que nos deseja reprodutores e não sujeitos, pessoas capazes de criticar... e construir conceitos orientadores para uma vida mais bonita. Muitos já discutidos e conversados aqui: inspirados no grande jurista Allyson Mascaro, que coloca o projeto "na garagem" dizendo que precisamos conversar, em qualquer lugar, sobre temas que são distorcidos no sendo comum, socialismo e comunismo por exemplo, em 2021 fizemos algumas reuniões trabalhando esses temas. O conceito de Democracia foi discutido "Na beira do fogão" em 10 de setembro de 21 (leia nosso post...); conversamos na varanda, na calçada, no boteco... sobre ideologia, política, alienação (post de 3 de setembro de 21); e mais recentemente (13 de março deste ano) conversamos sobre Comunismos e Felicidade.
Pois bem... nosso maior poeta e escritor João Guimarães Rosa (1908-1967) foi o inspirador para criticarmos a maneira como absorvemos a palavra CONFLITO... e fazermos o esforço necessário à sua ressignificação.
Conseguem perceber a diferença entre esses dois flyers? No primeiro deles está embutido o conceito de conflito que conhecemos, a ideia de que o conflito deve ser evitado a qualquer custo, que a vida é "boa" sem conflito, e o "erro" terrível: pessoas sábias evitam o conflito e, sim, buscam novas ideias. O segundo flyer é mais humano, eu diria... pensar diferente "já é o conflito"... e, relacionalmente, é verdade que o conflito não nos torna inimigos, porém podem caminhar para um rompimento na relação, e isso pode significar sabedoria (a "nova ideia" pode ser o afastamento, juntando um flyer com outro)
O segundo flyer contém a ideia de movimento (evolução); o primeiro é "fechado na sabedoria", talvez falsa sabedoria.
Ora, pra nós a sabedoria humana é justamente entender tudo na vida em movimento - o movimento dialético que já foi entendido (por alguns humanos) desde Heráclito (o pai da dialética), filósofo pré socrático; Hegel (sec. XVIII), na Fenomenologia do Espirito, elaborou este movimento: tese - antítese - síntese; e Marx (sec. XIX) "completou" Hegel dizendo que o processo histórico é o eterno conflito entre as classes. Assim, a síntese já é uma nova "tese"... já possui uma antítese... já vai dar numa síntese... e assim por diante... então: o conflito, ideias antagônicas, desejos antagônicos está posto no humano.
Então... o medo do conflito e o comportamento de evitação do mesmo é consequencia da nossa aprendizagem e internalização do significado da palavra como algo destrutivo, aterrador. E isso interfere nas nossas relações e na nossa visão de mundo... e de nós mesmos. A própria vida é vista de uma forma linear... os conflitos são fagocitados, termo tirado da biologia.
Assim, com os conflitos "em bolsões" só vemos a linearidade da vida e das relações, os conflitos estão ali: "fagocitados", escondidos... mas eles estão lá, o máximo que conseguimos é nos alienar, nos distanciar deles. De outro modo, abrir conflitos gera movimento, mudanças, enquanto que conflitos engolidos geram sofrimentos, angustias que, às vezes, nem percebemos.Os efeitos dessa evitação dos conflitos e visão linear da vida são muitos:
. a somatização, o alcoolismo, dependência química;
. no plano relacional, a "evitação do conflito" pode produzir o medo do diferente, o preconceito, a animosidade, a guerra por "verdades", e, mais amplamente, o maniqueísmo (bom-mau; certo errado, quem não pensa igual a mim é meu inimigo e, pior, a ser exterminado)... o fascismo.
Nossa grande filósofa Marilena Chauí diz sobre democracia:
"A Democracia não é só um regime político. É uma forma social de convivência. E possui três características:
- É a única baseada na criação e conservação de direitos;
- É a única que considera o CONFLITO legítimo e necessário;
- É a única que afirma que a soberania é popular, ou seja, pertence ao povo.
No plano das relações intimas (afetivo/sexuais) e também das relações de amizades, o comportamento evitativo produz um empobrecimento da vida. Zygmunt Bauman, filósofo e sociólogo polonês, fala sobre os "Amores líquidos" da pós modernidade.
Se, por um lado, a variedade de possibilidades que o mundo nos oferece agora contribui para ampliar nossa aprendizagem, um "efeito colateral" da proliferação da experiência vem a ser o "estilo de vida evitativo" que nos traz a superficialidade, o amor de plástico, como diz nosso grande psicanalista Christian Dunker.
Porém, os "coaches da vida" proliferam nas redes nos enviando mensagens "fluidas" : "a fila anda!" "parte pra outrx!"; ou seja, estimulando o comportamento evitativo. Estimulando a "evitação do luto" quando, na verdade, é vivenciando o mesmo que a gente cresce, diz nosso psicanalista. Além disso, os coaches modernos estimulam o distanciamento das nossas emoções, dos nossos afetos... e, com isso, ajudam a perpetuar a superficialidade... enfim, a pobreza relacional e subjetiva.
Outra imagem que temos para a pessoa evitativa é a do patinho, que "não se molha", ele sai da lagoa e se balança, joga a água toda pra fora do seu corpo e já fica sequinho. Também uma imagem interessante é a da história da raposa e das uvas: "haaa, não quero tanto, estão verdes", ou seja, a inibição do interesse (pelo outro, pela relação), e o afastamento, sempre quando aparece algum conflito. E a "síndrome da Deusa (ou Deus), que vem a ser a pessoa sempre sair da relação para não sair do pedestal (nesse caso o conflito subjetivo entre o eu ideal e o real)
Pois, AMAR É UM ATO DE CORAGEM, diz Dunker... e completamos: dá trabalho nos tornar humanos ... e dá trabalho AMAR... amar nossa humanidade... e a do outro. Um "bom amor" dá trabalho"...exige relação dialógica... e não existe sem o movimento dialético que os conflitos (abertos) nos oferecem.
Quero cada vez mais aprender a ver como belo aquilo que é necessário nas coisas. Amor-fati [amor ao destino]: seja este, doravante, o meu amor! Não quero fazer guerra ao que é feio. Não quero acusar, não quero nem mesmo acusar os acusadores. Que minha única negação seja desviar o olhar! E, tudo somado e em suma: quero ser, algum dia, apenas alguém que diz Sim!“
– Nietzsche, Gaia Ciência, §276
Ficamos com Nietzsche, no desejo de amar a vida como ela é, e amar as pessoas como elas são...
Por outro lado, nos perguntamos se esse ideal romântico que nos faz enxergar a vida de forma linear - e fagocitar os conflitos - não faria parte do nosso sistema capitalista e sua ideologia, para nos manter alienados e não enxergarmos as enormes contradições do mesmo, e, ao fim e ao cabo, nos oprimir e nos submeter, em todos os níveis de relação.
Terminamos com depoimento libertador de pessoa que, passando pelo luto de um não, chegou à conclusão: "Desencontros fazem parte da vida... os nãos que te causam tristeza e dor são os mesmos que te deixam livre e te fazem crescer".
À VIDA!!!
Abraços carinhosos...
Importante texto. Muitas pessoas, hoje tem mostrado dificuldade em desenvolver empatia. Essa atitude leva ao conflito. Dúvidas e divergências são coisas normais da vida. Como lidamos com esses aspectos é que nós faz entrar em conflito ou buscar soluções através do diálogo. Mesmo que o sentimento seja particular, individual é preciso expressar ao outro. Muito bom elucidar essas questões Santista. Gostei muito. Cleunice
ResponderExcluirObrigada pelo comentário Cléo. Grande abraço
ExcluirLerei depois com Atenção e comento.
ResponderExcluirAguardamos... qdo comentar coloque seu.nome por favor
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