De como conversas leves e despretensiosas se tornam conversas sábias e engrandecedoras: a propósito do Festival Varillux de cinema francês - recomendamos, "filme francês mesmo quando é ruim é bom", como diz amigo SBCense (já acabou o desse ano, mas procurem ver os filmes, quase todos estão nas plataformas... e todo ano tem novos filmes) - de repente estávamos conversando sobre adolescência de algumas de nós, anos 50 e 60, quando usávamos nossas primeiras maquiagens. Então, uma de nós lembrou que, naquele tempo todas as palavras nessa área eram em francês, a começar pela própria palavra maquiagem (agora MAKE UP), em francês com dois Ls: LE MAQUILLAGE. Passávamos ROUGE nas bochechas, tradução ao pé da letra do francês: vermelho... hoje deve ser BLUSH. E usávamos LE BÂTON nos lábios. Muitas vezes não, pois íamos beijar na boca. Então, fazíamos como ensinava a musa Brigitte Bardot: mordíamos os lábios e mantínhamos o mesmo sempre molhados... e a boca entreaberta.
Anos 60 foi uma década de grande revolução nos costumes... enquanto a ditadura se consolidava no Brasil. Década em que começamos a tomar a pílula e libertamos nossos corpos do "destino" de toda mulher... podíamos escolher... mais ou menos, pois o processo de libertação de mentes e espíritos demora mais. Conversávamos muito sobre sexo livre, e as putas (ou mulheres da vida) tinham nossa admiração. "Casa de folga" era a casa das putas; elas ouviam música no LP, long play... era uma bolacha preta que rodava na radiola e tocava com uma agulha. Dolores Duran, Dalva de Oliveira...
E a conversa caminhou para as lembranças de palavras antigas, que já não usamos: CHAUFFEUR, palavra também francesa, era muito usada. É motorista! Tem um filme do Mazzaropi de 1958, "Chofer de praça", chauffeur já foi "aportuguesado", e "... de praça" era porque os carros ficavam na praça, esperando os clientes para fazer as corridas...
Lembramos também as palavras usadas regionalmente: "Na Bahia se usava muito a palavra MALINO... menino malino... era o menino sapeca, aprontava todas: Nossa, Lourdes, como nossos meninos estão ficando malinos, né? E Lourdes fingiu que entendeu mas não sabia o significado de malino. Só muito tempo depois foi que perguntou pra amiga o que era, e ai entendeu tudo... " ; "também na Bahia a gente sai pra SARACOTEAR... que é somente "passear", "bater as pernas"!"
DESMAZELO é só um alfinete. RAMONA é grampo de cabelo no Rio Grande do Sul. Já no Nordeste a mesma coisa é CRUZETA.
E com esse papo chegamos ao tema VELHICE e HISTÓRIA: "Fico triste quando percebo que, de certa forma, aprendemos a desvalorizar as pessoas velhas. A juventude é vista, esteticamente, como "bonita", e "inteligente"; e a velhice é "desprezada", tida como "inútil".
Sim, o ETARISMO pode ser definido como a discriminação, o preconceito e a aversão contra pessoas por conta da idade. Nesse sentido, o etarismo colabora para a segregação da população idosa e está ligado aos padrões sociais construídos na nossa sociedade. E olha que, nessa conversa, estávamos em torno de oitenta por cento das pessoas pra mais de sessenta anos. E a maioria de nós, guardados os limites e considerando as possibilidades, como acontece desde que nascemos, se sentindo em pleno vigor , tanto físico como intelectual...
"Por favor, não nos deixemos "morrer" antes do tempo! Na verdade não sou "velho", e sim, tenho HISTÓRIA!
Mas qual história? De que história podemos falar de uma forma bonita e útil para a vida?
Publicada em 1874, a segunda das quatro considerações extemporâneas (ou intempestivas...). Sobre a utilidade e a desvantagem (ou inutilidade) da história para a vida (e para a ação), foi definida pelo autor em sua autobiografia, Ecce homo, como sendo o tratado que, através de nossa capacidade de perceber e dar significado ao passado, «traz à luz o que há de perigoso, corrosivo e envenenador da vida». No último século e neste, essa segunda (de três) consideração extemporânea tem se configurado representante fundamental da investigação sobre o valor da história e da cultura histórica ocidental. As noções de a-histórico e supra-histórico, apresentadas em Sobre a utilidade e a desvantagem da história, podem ainda nos dizer muito acerca de nosso olhar sobre o passado e como nos aproveitamos dele para bem vivermos o presente e gestarmos o futuro.
Entendemos que a pessoa a-histórica não considera a história... e se perde. Pois o que interessa é "o que vou fazer (e o que vamos fazer) com o que fizeram comigo (e conosco)", a liberdade é prospectiva. No entanto, é necessária uma potência a-histórica para a construção prospectiva. Guimarães Rosa dialoga com Nietzsche: "Viver é perigoso, a mesma coisa que me salva pode me matar".
Aprendemos com a história. Porém, ela não nos diz tudo. Se "atolamos" na "sabedoria" da história monumental teremos dificuldade de construir o novo, o que está por vir. "Deixemos o homem supra-histórico com seu nojo e sua sabedoria", é o que Nietzsche nos diz.
A nossa memória deveria, então, funcionar como nosso intestino: jogue fora o que não serve e aproveite tudo que sirva para a vida e para a ação transformadora. A força plástica permite à memória LEMBRAR e ESQUECER, na medida certa, sem a sobrecarga de lembranças...
Então, nossa SBCense super "nietzscheana", foi na sua estante, pegou o livro do Nietzsche, e leu pra nós o trecho:
... vamos denominá-los homens históricos... o olhar ao passado os impele ao futuro, inflama seu ânimo e ainda por mais tempo concorrer com a vida, acende a esperança de que a justiça ainda vem, de que a felicidade está atrás da montanha em cuja direção eles caminham. Esses homens históricos acreditam que o sentido da existência, no decorrer de seu processo, virá cada vez mais à luz; eles olham para trás para, na consideração do processo até agora, entenderem o presente e aprenderem a desejar com mais veemência o futuro. Não sabem quão a-historicamente, a despeito de toda a sua história, eles pensam e agem, e como até mesmo sua ocupação com a história não está a serviço do conhecimento puro, mas da vida".
Eu achei ótimo a parte do preconceito à idade. O chamado etarismo. Sabemos o quanto a juventude é plena e cheia de possibilidades. Entretanto a terceira idade é cheia de certezas e escolhas repletas de reflexões. Por isso mesmo, nós, os 60+, erramos menos e nós divertimos mais. Nós divertimos até com os passarinhos que cantam na árvore do parque. Com os poemas lidos por amigos e amigas no fim de tarde. Com nossos 'esquecimentos' momentâneos.
ResponderExcluirAh! Os jovens não sabem do que somos capazes. Que bobagem este preconceito: etarismo. Na verdade, nós, os idosos e idosas, somos a prova da vitória. Estamos vivos e ainda procurando a felicidade. Com 60,70,80 ou 90 anos. Se a encontraremos, não sabemos, mas o divertido não é o achar e sim o procurar. É aquele ditado: melhor namorar do que casar.
Obrigada pelo comentário. Por favor se identifique...
ExcluirAntonieta Shirlene
ResponderExcluiroba... faça seu comentário anônimo, jeito mais simples de fazer... e coloque seu nome no comentário tá? obrigada querida... SantuzaTU
ExcluirTenho desde a infância uma alegria pelo meu próprio envelhecimento. A data do meu aniversário sempre foi o melhor dia para mim e comemorá-lo se tornou ao longo do tempo uma dádiva. Deixo visível a todos minha felicidade por envelhecer, mas infelizmente a fobia por idosos é ensurdecedora. Tenho me deparado com tantos descasos e preconceitos. Ao mesmo tempo é gratificante o reconhecimento de algumas pessoas pela experiência adquirida, pela busca de conselhos. Eu optei por ser feliz e guardar o carinho e respeito de quem tem empatia e compreende o envelhecer como um processo necessário ao ciclo da vida. UP - Altas Aventuras, é um filme que nos leva a refletir que devemos aproveitar cada momento da nossa vida "agora", não podemos deixar para depois, pois a vida passa como um sopro. Quanto ao francês, me lembro dos bons tempos de escola, quando tínhamos francês e inglês na carga horária. Fazíamos biquinho com a boca para falar francês e parecer chique.
ResponderExcluirObrigada pelo seu depoimento Neide! muito bom... e também pela indicação do filme... grande abraço... SantuzaTU
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