Sim
Rafa... Você tem toda razão: mesmo as pessoas mais alienadas da
história estão irremediavelmente atreladas a ela. E eu te contei da
minha pesquisa sobre a história do feminismo, a propósito do
acompanhamento de posts interessantíssimos, cheios de avanços e
retrocessos (a história não é linear meu querido Rafa...) sobre o
"feminino contemporâneo", que surgiram no FB nos últimos dois meses, a
partir do primeiro: "A
incrível geração de mulheres que foi criada para ser tudo o que um homem NÃO
quer". O mérito do
texto é evidenciar que décadas de intenso debate feminista não foram em vão. Enfim as mulheres
estão conquistando novos e inesperados espaços. E é justo que mudanças nos tragam
dúvidas e incertezas. O texto é bacana, me levou a refletir sobre
o acúmulo de tarefas da mulher contemporânea, já conversamos tanto
sobre isso, não é?: dona de casa, filhos, trabalho, marido, uma jornada
tão pesada que a "última etapa", o sexo, vira "estupro", segundo a
descrição de uma amiga. Você tem alguma dúvida que inúmeras mulheres
vivem assim? das várias classes sociais, querido!
Mas
o mesmo texto cai, de novo, no "buraco", ou melhor, no "erro histórico"
de nos moldarmos ao padrão "amor romântico", ou seja, o destino de toda
mulher de casar e ter filhos e, claro, para isso ela precisamos de
"ser do jeito que o outro quer que eu seja"... e você duvida que,
também, inúmeras mulheres, não estejam vivendo este "esticamento" entre
construir sua identidade ("ser o que eu quero ser") e ser do jeito que
me impõem ser, cumprir meu destino, meu "desejo fabricado" de ser esposa
e mãe? Quando nós, mulheres,
vamos tomar a coragem para mudar também o que entendemos por “felicidade”?
Pois
então, esse texto, que eu diria quase ingênuo, gerou inúmeros outros
textos, uns rebatendo de maneiras simplistas e até desonestas, outros
irresponsáveis e agressivos, de análises mais superficiais e
a-históricas até as análises comprometidas e ricas. Como você gosta de
citar Rafa, um dos nossos inspiradores, G. Rosa: "o que não me mata me
torna mais forte", os textos que li nos suscitaram conversas tão boas, o
que me impulsionou a pesquisar sobre o movimento feminista no mundo e
no Brasil, assim como rendeu também o seu belo texto sobre a História
para a vida, nosso post anterior.
Mas claro, antes um resumo dos textos lidos:
- Tem um ótimo da Michele
Escoura, antropóloga, pesquisadora do NUMAS – Núcleo de estudos sobre os
marcadores sociais da diferença da USP, que responde assim (ao primeiro texto, já citado): "Cara Ruth,
compadeço com suas palavras e me reconheço na máxima de que “não vamos andar
para trás”. Mas nosso primeiro próximo passo, talvez, seja reconhecer que
liberdade para as mulheres é muito mais que pagar nossas contas. Liberdade é,
inclusive, emancipar-se daquela velha e já batida ideia de que uma mulher só se
completa com o amor verdadeiro e de que o sonho de todas nós deve ser um dia se
vestir de noiva. Deixa disso, Ruth. Sejamos mais do que a sociedade espera da
gente e comecemos retirando o “ser tudo o que um homem NÃO quer” do título de
seu texto e de nossas preocupações." O título deste post: "À
espera da geração de mulheres que não se importam com o que os homens querem" já sugere não é mesmo?
- Tem um outro - ou
melhor, outros - em resposta ao primeiro, que gerou muita polêmica,
pois coloca aquele depoimento na categoria de "hino das encalhadas" e
conclama as mulheres a "pararmos de bancar a vítima"!!! e, ainda,
generaliza e diz das feministas como mulheres "chatas"!!!
- E, claro, tem respostas, dentre elas um cujo título "As feministas é que são chatas",
diz: "Parece haver um consenso sobre a chatice
das feministas. Mas e a chatice das pessoas que querem determinar o que a
mulher pode ou não fazer?". Esse texto é ótimo para refletirmos sobre a
nossa escravidão aos padrões (impostos por uma sociedade machista,
lógico). Um pedacinho do texto: "Feministas
reivindicam que a mulher faça do seu corpo e da sua vida o que bem entender,
sem nenhum papel de gênero para limitá-la e nenhum homem para oprimi-la, e por
isso são consideradas umas chatas. Tudo porque acreditam na ideia radical que
mulheres são seres humanos.
É,
as feministas são
chatas. E eu estou convicta de que sou uma também". Concordo plenamente,
sou também uma chata. E quando eu disser que sou feminista, por favor
não me coloquem na categoria de exceção, para reforçar seu preconceito!
Obrigada Rafa, por ter refletido sobre isso no seu texto, não saberia
fazê-lo tão bem...
- e, por último, um texto muito bom "A
incrível geração de mulheres que não sabe a diferença entre opinião e
conhecimento", que nos fornece dados estatísticos demonstrando o fato de
que existem mais mulheres sozinhas do que homens e que, dessas, algumas
se ressentem de não terem companhia, outras não. E dizer que se alguém
está solteira é porque é chata,
ainda por cima negando a realidade de alguns fatos bem comprovados, é de
uma
desonestidade intelectual que beira a irresponsabilidade, segundo o
autor.
Então
Rafa, foi daí que senti necessidade de pesquisar sobre o Feminismo.
Porque, como eu disse, faço irremediavelmente parte dessa história, e
quero fazê-lo ativamente, não de maneira alienada. E quero, também,
convidar todos os meus amigxs a realizar essa árdua e prazerosa tarefa
de se incluir na história como sujeitxs, construtores, de um mundo mais
bonito.
Quem
achar muito longo que use a estratégia do esquartejador, leia por
partes... mas guarde cada uma delas no coração e na mente... e
transforme-a em ação... na vida... em todos os níveis de relação, do
íntimo ao público, passando pelo pessoal, pelo trabalho, família,
amigos, dá para refletir e aplicar em tudo na vida...
O Movimento
Feminista no Mundo
Feminismo
é o movimento social que defende a igualdade de direitos e poder entre homens e
mulheres em todos os campos. A história do movimento feminista possui três
grandes momentos, divididos por feministas e acadêmicos em três “ondas”. O
primeiro foi motivado pelas reivindicações por direitos democráticos como o
direito ao voto, divórcio, educação e trabalho, movimentos do século XIX e
início do XX. A segunda onda se refere às idéias e ações associadas com os
movimentos de liberação feminina iniciados na década de 1960, que lutavam pela
igualdade legal e social para as mulheres (impulsionada pelo aumento do uso da
pílula anticoncepcional). Já o terceiro
começou a ser construído no fim dos anos 70, com a luta de caráter sindical. Essa
terceira onda seria uma continuação da segunda onda - e, segundo alguns autores,
uma reação às suas falhas.
O Movimento Feminista tem seu inicio na Revolução Francesa. O colapso na
França que questionava o sistema político encorajou mulheres a se manifestarem
contra a sujeição a quem eram submetidas das mais diversas modalidades:
política, econômica, social, familiar, educacional, jurídica, entre outras. A
prioridade era a conquista do direito a propriedade de si próprias, devido ao
fato dos maridos se considerarem dono de suas mulheres.
No inicio do século XX despontam as primeiras mudanças no mundo inteiro,
a Revolução Russa de 1917 concede o direito de voto as mulheres; na Finlândia
em 1906; na Noruega em 1913; e no Equador 1929. Por volta de 1950 a lista compreendia
mais de 100 nações.
Após
a 2° Guerra Mundial, o feminismo vem a tona pra reivindicar a liberdade
feminina em relação ao seu corpo e pensamento oprimidos por uma cultura
extremamente masculina, entre elas estavam a luta pelo aborto, igualdade
salarial e o acesso a todos os cargos ocupados exclusivamente por homens.
Várias mulheres influenciaram esse momento das lutas femininas: Simone de Beauvoir
com seu livro “O segundo Sexo”; Betty Friedman com “Mística Feminina”, considerado o manifesto mais realista do
movimento de libertação da mulher, mundialmente conhecido como “Women’s
Liberation.
O Movimento Feminista no Brasil
Aqui o movimento tomou forma entre o fim do século XVIII e início do XIX,
quando as mulheres brasileiras começaram a se organizar e conquistar espaço na
área da educação e do trabalho. Nísia Floresta (criadora da primeira escola
para mulheres), Bertha Lutz e Jerônima Mesquita (ambas ativistas do voto
feminino) são as expoentes do período.
Em 1907, eclode em São Paulo a greve das costureiras, ponto inicial para o movimento por uma jornada de trabalho de 8 horas.
Já a década de 30 foi marcada por avanços no campo político. Em 1932, as
mulheres conquistam legalmente o direito ao voto, com o Código Eleitoral, mas foi
só com a Constituição de 1946 que esse direito pleno foi concedido.
Com a ditadura do Estado Novo, em 1937, o movimento feminista perde
força. Só no fim da década seguinte volta a ganhar intensidade com a criação da
Federação das Mulheres do Brasil e a consolidação da presença feminina nos
movimentos políticos. Mas logo vem outro período ditatorial, a partir de 1964,
e as ações do movimento arrefecem, só retornando na década de 70.
Um dos fatos mais emblemáticos daquela década foi a criação, em 1975
(Ano Internacional da Mulher), do Movimento Feminino pela Anistia. No mesmo ano
a ONU, com apoio da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), realiza uma semana
de debates sobre a condição feminina. Ainda nos anos 70 é aprovada a lei do
divórcio, uma antiga reivindicação do movimento.
Nos anos 80, as feministas embarcam na luta contra a violência às
mulheres e pelo princípio de que os gêneros são diferentes, mas não desiguais.
Em 1985 é criado o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), subordinada
ao Ministério da Justiça, com objetivo de eliminar a discriminação e aumentar a
participação feminina nas atividades políticas, econômicas e culturais.
O CNDM foi absorvido pela Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher,
criada em 2002 e ainda ligada à Pasta da Justiça. No ano seguinte, a secretaria
passa a ser vinculada à Presidência da República, com status ministerial,
rebatizada de Secretaria de Políticas
para as Mulheres.
As ações do movimento feminista, nas últimas décadas do século passado, foram
decisivas para articular o caminho da igualdade entre os gêneros, que, apesar
de todos os avanços, ainda não é plenamente garantida.
Enfim, ao entrar na segunda década do século XXI, as feministas têm em
sua pauta de reivindicações pontos como:
• Reconhecimento dos
direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais das mulheres;
• Necessidade do
reconhecimento do direito universal à educação, saúde e previdenciária;
• Defesa dos direitos
sexuais e reprodutivos;
• Reconhecimento do
direito das mulheres sobre a gestação, com acesso de qualidade à concepção e/ou
contracepção;
• Descriminalização
do aborto como um direito de cidadania e questão de saúde pública.
Além desses temas, um em especial tem ganhado por suas estatísticas: a violência contra a mulher. A cada dois minutos, cinco mulheres são
espancadas no País, de acordo com pesquisa da Fundação Perseu Abramo (Mulheres
brasileiras e gênero nos espaços público e privado), realizada em 25 estados,
em 2010. No entanto, as agressões diminuíram entre 2001 e 2010. Anteriormente,
oito mulheres eram agredidas a cada dois minutos. Um dos motivos para essa
diminuição foi a elaboração da Lei Maria da Penha (2006), que garante proteção
legal e policial às vitimas de agressão doméstica. Qualquer pessoa pode
comunicar a agressão sofrida por uma mulher à polícia, a despeito da vontade da
mulher em fazê-lo.
A Secretaria de Políticas das Mulheres atua, não apenas pela redução da
desigualdade dos gêneros, mas também para ajudar na redução da miséria e de
pobreza para, assim, garantir a autonomia econômica das brasileiras.
Fontes:
- Secretaria de
Políticas para as Mulheres
- Acervo – Revista do
Arquivo Nacional
- Conselho Estadual dos
Direitos da Mulher (CEDIM) - Rio de Janeiro
- Conselho Nacional dos
Direitos da Mulher – Legislação
Na atualidade: o Feminismo Intersecional
O que é feminismo?
Nas palavras
de Bell Hooks – escritora, crítica e feminista norte
americana –, “feminismo é um movimento
para acabar com sexismo, exploração sexual e opressão”.
Com base neste
conceito, é contra todos os pensamentos, ações e aspectos sexistas
institucionalizados, estruturais e individuais na nossa cultura que o feminismo
luta, pois é a origem não só da discriminação e exclusão de gêneros como também
da relação com opressões sofridas por grupos marginalizados.
Para acabar com o
sexismo, é preciso entender que não é um poder exercido por si só e que o
feminismo não deve ser entendido pela perspectiva da supremacia branca
capitalista patriarcal — a de que todas as mulheres e os grupos excluídos têm
como objetivo direitos iguais aos de homens em posições de poder. A meta não é o poder, a meta é a libertação
através da revolução. A luta não é para alcançar os
mais privilegiados, pois desta forma a hierarquia de poder e opressões
continuará a existir. Ao trabalhar para eliminar opressões causadas,
mantidas e incentivadas por sistemas sociais baseados em poder, dominação e
submissão, o feminismo cria a possibilidade de um dia garantir essa libertação
de forma plena.
“Nós acreditamos
que o feminismo é uma ideologia sociopolítica, não uma identidade. Por isso
toda luta contra opressão é uma causa feminista".
O que é intersecionalidade?
Intersecionalidade é
“como inúmeras características biológicas, sociais e culturais — como gênero,
raça, classe, orientação sexual, deficiência física e/ou mental, idade, tipo de
corpo, religião, nível escolar e outros eixos de identidade — interagem em
múltiplos e simultâneos níveis”.
Este conceito foi
criado pela crítica e teórica norte americana Kimberlé Crenshaw ,
em 1989, para analisar como raça, gênero e classe se intersecionam e geram
diferentes formas de opressão. Alguns anos mais tarde, a feminista e
socióloga Patricia Hill Collins ampliou o conceito
para que abrangesse outras características e discriminações, tendo sempre como
base e foco raça e gênero.
A análise intersecional no
feminismo tem como prioridade raça, gênero e classe, pois a intersecionalidade
foi criada com esses princípios. Significa que, para mulheres que sofrem variadas opressões, não é
possível dividir tais experiências em categorias. Foi
desenvolvida para que partes da identidade das mulheres negras não sejam
ignoradas em detrimento de outras, e para que mulheres brancas e privilegiadas
não cooptem nem passem por cima das experiências de mulheres negras e de outras
raças e etnias. “A grande maioria das mulheres experimentam diversas
opressões intersecionadas e é nosso dever, como movimento, dar atenção igual e
específica a todas as opressões e suas interseções”.
O feminismo
intersecional acredita que o movimento não deve atingir apenas quem o conceito
tradicional entende como mulher: branca, cisgênera, heterossexual, de classe
média, com alta escolaridade, que segue padrões físicos e mentais impostos como
“normais” — algo que não devemos aceitar. Pessoas com tal perfil fazem parte do
feminismo intersecional, mas são o foco da corrente principal do movimento e,
por isso, usam tal privilégio para apagar a voz e ignorar o espaço e a luta de
quem não é igual a elas. A
intersecionalidade foi criada e desenvolvida por mulheres negras,
marginalizadas pelo próprio feminismo, e tem como foco as causas ignoradas, as
outras questões, as questões plurais.
A
intersecionalidade tem ganhado cada vez mais espaço no mundo e até no Brasil.
Mas ainda é uma concepção pouco aplicada no dia a dia, especialmente devido à
compreensão falha e rasa do conceito que tem se espalhado em espaços mais
populares. Mesmo feministas com anos e anos de experiência começaram a ter
contato com ela recentemente. E isso também é sinal de como questões que não
dizem respeito a elas são tratadas. Não é porque não lidamos com determinadas
opressões que elas não existem e não é porque não conhecemos certas realidades
que elas deixam de ser nossa responsabilidade. É exatamente por isso que elas
devem ser a prioridade do feminismo.
O feminismo não
foi criado e não continua a existir somente para um grupo privilegiado. E a
intersecionalidade é e será a responsável pelo fim desse pensamento retrógrado,
principalmente através da reivindicação do protagonismo do movimento e não
pelas mãos de quem se apropriou da luta de grupos explorados. “Nós queremos ter
voz e, principalmente, dar voz a quem é marginalizada e não encontra espaço para
contar a sua história e vivenciar mais o seu feminismo”.
“Também
acreditamos num feminismo que nos permite criticar feministas. Ser feminista
não significa ser uma pessoa perfeita e ciente de tudo, muito menos nos dá
imunidade aos questionamentos. Um movimento que não se permite ser questionado
por quem faz parte dele fica estagnado”.
"Nosso feminismo
ainda tem muito a crescer, mas sua prioridade está definida: ser inclusivo,
intersecional, responsável e ético sempre".
Histórico de Lutas e Conquistas
A Revolução Industrial foi um fator que influenciou o movimento
feminista. A mão de obra das mulheres era mais barata do que a dos homens e o
lucro dos patrões seriam maior, então começaram a mandar os homens para a
guerra e as mulheres começaram a trabalhar em fábricas.
Em 8 de Março de 1857, as operárias têxteis de uma fábrica de Nova York
entraram em greve ocupando a fábrica, para reivindicarem a redução do horário
de mais de 16 horas por dia para 10 horas. Estas operárias, que recebiam menos
de um terço do salário dos homens, foram fechadas na fábrica, onde se deflagrou
um incêndio, e cerca de 130 mulheres morreram queimadas.
Em 1910, numa Conferência
Internacional de Mulheres, realizada na Dinamarca, foi decidido em homenagem
àquelas mulheres, comemorar o dia 8 de Março, como dia Internacional da Mulher.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), os 12 direitos das
mulheres são:
*Direito a vida;
*Direito a liberdade e a segurança social;
*Direito a igualdade e a estar livre de todas as
formas de discriminação;
*Direito a liberdade de pensamento;
*Direito a informação e a educação;
*Direito a privacidade;
*Direito à saúde e proteção desta;
*Direito a constituir e planejar a sua família;
*Direito a decidir ter ou não ter filhos quando
tê-los;
*Direito aos benefícios do progresso cientifico;
*Direito a liberdade de reunião e participação
política;
*Direito a não ser submetidas a torturas e maltrato.
Nos anos 60 aos anos 80, a luta se baseia na questão
da inferioridade feminina. Grandes
intelectuais e líderes feministas buscam o fim da discriminação do gênero que
são contra a ideologia de que a mulher conquista sua felicidade em cuidar dos
filhos e do lar. Protestos como a queima de sutiãs são marcos da busca da renovação
da ideologia social deflagrada no momento.
Apesar das grandes conquistas feministas
terem se estabelecido no mundo atual, ainda não se pode dizer que é uma
conquista mundial. Em alguns países a cultura machista impede quase que
completamente a liberdade e a igualdade feminina. Um estudo da Fundação
Thomson-Reuters apontou Afeganistão, Congo e Paquistão como os países mais
perigosos para mulheres no mundo. Os motivos que tornam estes os piores lugares
para o sexo feminino vão desde violência sexual e precários cuidados de saúde aos
chamados "assassinatos por honra". Índia e Somália ficaram em quarto
e quinto lugar, respectivamente.
O Afeganistão, país
asiático, teve a pior avaliação em três categorias de risco importantes: saúde,
violência não-sexual e discriminação econômica. Cerca de 87% das mulheres no
país são analfabetas, apontou o estudo. Entre 70% e 80% das meninas e mulheres
são obrigadas a se casar em matrimônios forçados. Ainda se recuperando da
guerra civil entre que deixou 5 milhões
de mortos, a República Democrática do
Congo ficou em segundo lugar na lista. O principal motivo que levou o país
ao resultado na classificação foram os altos níveis de violência sexual. A
campanha Mulheres Congolesas Contra a Violência Sexual diz que o número de
mulheres violentadas por dia é de 40. Nesse país africano, 57% das mulheres
grávidas têm anemia. O Paquistão, país vizinho do primeiro da lista, foi
eleito o terceiro pior lugar no mundo para as mulheres viverem. Os
especialistas listaram práticas culturais, tribais e religiosas como fatores de
risco - incluindo ataques com ácido, casamento forçado (às vezes ainda na
infância), punições por apedrejamento e outros abusos físicos. Noventa por
cento das paquistanesas são vítimas de violência doméstica no país. As mulheres
têm renda 82% menor do que os homens. A Índia, maior país democrático do
mundo também é o quarto lugar mais perigoso para mulheres. O aborto de fetos do
sexo feminino, o casamento infantil e altos níveis de tráfico humano e servidão
doméstica são os principais motivos que colocaram a Índia nessa lista. Mais de
50 milhões de meninas "desapareceram" no último século devido ao
infanticídio e ao aborto de fetos do sexo feminino. A Somália, um dos países mais pobres, violentos e
sem lei, ficou em quinto lugar, segundo a Fundação Thomson Reuters. Os
principais motivos são alta mortalidade materna, estupro, mutilação genital
feminina e o casamento infantil. Na Somália, 95% das mulheres são vítimas da
mutilação genital feminina, a maioria entre os 4 e 11 anos.
Avanços e retrocessos
A história de Nada al-Ahdal, de apenas 11 anos, ganhou o mundo em julho de 2013. Nada parecia condenada ao destino de milhões de jovens mulheres em países muçulmanos: o casamento arranjado. Mas ela decidiu fugir de casa, e gravou um vídeo denunciando a situação, e o mesmo, em apenas dois dias, foi visto por mais de 5,6 milhões de pessoas no YouTube. Este episódio iniciou debates sobre a liberdade das mulheres no mundo islâmico e lançou luz sobre como a
internet tem sido usada pelas muçulmanas para se fazer ouvir. Elas
querem respeito, segurança, manter contato com amigos e familiares,
correr atrás de carreiras e usar a rede como ferramenta de divulgação.
Alguns exemplos mostram que estão conseguindo.
No Brasil, Após
a promulgação da Lei Maria da Penha (2006) as denúncias de violência contra a
mulher aumentaram em 600%, No entanto, possuímos ainda altos índices de
violência doméstica. As principais causas são alcoolismo e drogas, além de pobreza
e baixa escolaridade. As mulheres de baixa renda que sofrem com o problema têm
acesso limitado à Justiça.
Tudo
isso se não avaliarmos o dito “machismo estrutural”. Conforme especialistas, a
imagem da mulher na publicidade brasileira "parou no tempo" e "não
reflete avanços sociais". Como exemplo, publicidade de produtos de limpeza
acabam sendo mostrados como "sendo usados com prazer pela mulher, que
sempre aparece sorrindo, limpinha, mesmo que para muitas as tarefas domésticas
não sejam tão realizadoras”.
No
mercado de trabalho, a participação da mulher cresceu de 18,3 milhões em 2010
para 19,4 milhões em 2011. Mesmo assim o salário das mulheres em 2011 era 21% a
menos que os homens. E veja a crítica ao movimento feminista feito pelo
Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados,
Marcos Feliciano:
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“Quando você
estimula uma mulher a ter os mesmos direitos do homem, ela querendo
trabalhar, a sua parcela como mãe começa a ficar anulada, e, para que ela não
seja mãe, só há uma maneira que se conhece: ou ela não se casa, ou mantém um
casamento, um relacionamento com uma pessoa do mesmo sexo, e que vão gozar
dos prazeres de uma união e não vão ter filhos. Eu vejo de uma maneira sutil
atingir a família; quando você estimula as pessoas a liberarem os seus
instintos e conviverem com pessoas do mesmo sexo, você destrói a família,
cria-se uma sociedade onde só tem homossexuais, você vê que essa sociedade
tende a desaparecer porque ela não gera filhos”.
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Essa declaração,
duramente criticada por movimentos feministas (...”atrasada ... não acompanha o avanço da sociedade")
traduz pensamento majoritário entre os integrantes da Frente Parlamentar
Evangélica.
Agora, a boa
notícia: pesquisa da antropóloga Walquiria Domingues Leão Rêgo, da Unicamp, diz que nos últimos cinco anos está havendo
uma mudança de comportamento nas áreas mais pobres e talvez mais machistas do
Brasil. E essa mudança se deve, em parte, ao dinheiro do Bolsa Família, que
trouxe poder de escolha às mulheres. Elas
agora decidem desde a lista do supermercado até o pedido de divórcio.
Mais de meio século depois da pílula anticoncepcional, uma revolução feminista
no sertão, silenciosa e lenta, está em
curso. O interior do Piauí, o
litoral de Alagoas, o Vale do Jequitinhonha, em Minas, o interior do Maranhão e
a periferia de São Luís são o cenário desse movimento. Nos últimos cinco anos, Walquiria acompanhou, ano a ano, as mudanças
na vida de mais de cem mulheres. Foi às
áreas mais isoladas para fazer um
exercício raro: ouvir da boca dessas mulheres como a vida delas havia (ou não)
mudado depois da criação do programa. Adiantamos parte das conclusões de
Walquiria. A pesquisa completa será contada em um livro, a ser lançado ainda
este ano.
“Há mais
liberdade no dinheiro”, resume uma das entrevistadas de Walquiria. As mulheres são mais de 90%
das titulares do Bolsa Família. Qual o significado dessa opção do governo por dar o
cartão do benefício para a mulher: “Quando o marido vai comprar, ele compra o
que ele quer. E se eu for, eu compro o que eu quero.” Elas passaram a comprar
Danone para as crianças. E a ter direito à vaidade. Walquiria testemunhou
mulheres comprarem batons para si mesmas pela primeira vez na vida. Finalmente,
tiveram o poder de escolha. E isso muda muitas coisas. “Boa parte delas
têm uma renda fixa pela primeira vez. E várias passaram a ter mais dinheiro do
que os maridos”, diz Walquiria. Mais do que escolher entre comprar macarrão ou
arroz, o "cuidar do dinheiro" permitiu a elas decidir também se querem ou não
continuar com o marido. Walquiria relata ainda que aumentou o número de
mulheres que procuram por métodos anticoncepcionais. Elas passaram a se sentir
mais à vontade para tomar decisões sobre o próprio corpo, sobre a sua vida.
É claro que as
mudanças ainda são tênues. Ninguém que visite essas áreas vai encontrar
mulheres queimando sutiãs e citando Betty Friedan. Mas elas estão começando a
romper com uma dinâmica perversa, descrita pela primeira vez pelo
filósofo inglês John Stuart Mill. Em 1869 ele escreveu "Sujeição das Mulheres", onde ataca o argumento que dizia que as mulheres são naturalmente piores do que os homens em certos aspectos e que, por isso, elas deviam ser desencorajadas e proibidas de realizarem certos atos. De acordo com Mill, as mulheres são treinadas
desde crianças não apenas para servir aos homens, maridos e pais, mas para
desejar servi-los.
Então... quase 150 anos de história, de avanços e retrocessos, e de descobertas de que podemos desejar mais do que isso. Desejar e construir. Como diz uma amiga: temos que nos descobrir vacas, nós (e as vacas) não sabemos a força que temos. Mulher é tudo vaca...
Beijos a todxs, obrigada...
SantuzaTU