Hannah
Arendt, nascida como Johanna
Arendt, na Alemanha 1906 – morreu
em Nova Iorque em 1975, com 68 anos, foi uma filósofa
política alemã, de origem
judaica, uma das mais influentes do século XX.
Discípula de Heiddegger
e de Jaspers, doutorou-se em filosofia em 1928. Forçada a abandonar a Alemanha
após a instauração do regime nazi, vive na França até 1941, data em que
consegue refugiar-se nos Estados Unidos, escapando assim à ocupação da França
pelos Alemães.
Vive a partir de então
nos Estados Unidos, onde fixa residência, escreve os seus trabalhos
fundamentais e leciona nas principais universidades do país.
Assim como aconteceu a
minha relação com outro SBCence famoso, Nietzsche, conheci a Hanna há uns 20
anos atrás e tive o prazer de re-conhecê-la e trazê-la para minhas reflexões
agora há pouco. Pois bem, vou contar para vocês, nessa sequência:
- Há uns 20 anos li “O Sistema Totalitário”, seu primeiro livro e um dos mais famosos, escrito em 1951 já nos EUA. É um livro grandão, de leitura difícil porém importantíssimo para compreendermos nossa história.
Totalitarismo (ou regime
totalitário) é um sistema político no qual o Estado, normalmente sob o controle
de uma única pessoa, político, facção ou classe, não reconhece limites à sua
autoridade e se esforça para regulamentar todos os aspectos da vida pública e
privada, sempre que possível. Foi no decorrer da Primeira Guerra Mundial que começou a nascer o Totalitarismo, fenômeno político que
marcou o século XX. Com a necessidade de direcionar a produção industrial para
as necessidades geradas pela guerra, os governos das frágeis democracias liberais européias
tiveram de se fortalecer, acumulando poderes e funções de Estado, em detrimento
do poder parlamentar, para agilizar as decisões importantes em tempos de
guerra. Quando voltasse a paz, dizia-se, esses poderes voltariam à distribuição
democrática usual. Mas não foi isso que aconteceu.
Arendt assemelha de forma polêmica
o nazismo e o stalinismo, como ideologias totalitárias, isto
é, com uma explicação compreensiva da sociedade mas também da vida individual,
e mostra como a via totalitária depende da banalização do terror,
da manipulação das massas, do acriticismo face à mensagem do
poder. Hitler e Stalin
seriam duas faces da mesma moeda tendo alcançado o poder por terem explorado a
solidão organizada das massas.
Desse livro, além da
compreensão acima, guardo também a frase a seguir, que pode se colocar à
reflexão em diversas situações de vida:
“Compreender não
significa negar o revoltante, deduzir o inaudito dos precedentes, ou explicar
fenômenos por meio de analogias e generalidades tais que se deixe de sentir o
impacto da realidade e o choque da experiência. Significa, antes, examinar e
suportar conscientemente o fardo que os acontecimentos colocaram sobre nós –
sem negar a sua existência nem vergar humildemente com o seu peso, como se tudo
o que de fato aconteceu não pudesse ter acontecido de outra forma. Compreender
significa, em suma, encarar a realidade, espontânea e atentamente, e resistir a
ela – qualquer que ela seja ou possa ter sido”.
o Sete anos depois se publica "A Condição Humana",
li também, naquela época, livro gostoso de ler. Nele Hannah enfatiza a importância
da política como ação e como processo, dirigida à conquista da
liberdade:
«Com a
expressão 'vita activa', pretendo designar três atividades humanas
fundamentais: labor, trabalho e ação. (...) O labor é a atividade que
corresponde ao processo biológico do corpo humano (...). A condição humana do
labor é a própria vida. O trabalho é a atividade correspondente ao
artificialismo da existência humana (...). O trabalho produz um mundo
"artificial" de coisas, nitidamente diferente de qualquer ambiente
natural. A condição humana do trabalho é a mundanidade. A ação, única atividade
que se exerce diretamente entre os homens sem a mediação das coisas ou da
matéria, corresponde à condição humana da pluralidade, ao fato de que homens, e
não o Homem, vivem na Terra e habitam o mundo. Todos os aspectos da condição
humana têm alguma relação com a política; mas esta pluralidade é
especificamente 'a' condição (...) de toda a vida política.»
- Uns cinco anos depois li “Da Violência”, do qual extraí essa idéia:
- Em 1963, Hannah escreve "Eichmann em Jerusalém" a partir da cobertura jornalística que fez do julgamento do exterminador dos judeus para a revista The New Yorker. O filme recente da cineasta Margareth Von Trotta nos mostra este episódio da sua vida. E foi então que reencontrei com essa grande figura que nos instiga, que nos faz ... pensar ... e, pensando, compreender melhor (a nós mesmxs e ao mundo).
Hannah revela que o
grande exterminador dos judeus não era um demônio e um poço de maldade (como o
criam os ativistas judeus) mas alguém terrível e horrivelmente normal. Um típico
burocrata que se limitara a cumprir ordens, com zelo, sem capacidade de separar
o bem do mal. Esta perspectiva valer-lhe-ia a crítica violenta das organizações
judaicas.
Porém, ela apenas estava
apontando para a complexidade da natureza humana, para uma certa "Banalidade
do Mal" que surge quando se abdica do pensar, quando se compadece
com o sofrimento, a tortura e a própria prática do mal. Daí conclui que é
fundamental manter uma permanente vigilância para garantir a defesa e
preservação da liberdade.
Hannah concluiu que
Eichmann dizia a verdade: não se tratava de um malvado ou de um paranóico, mas
de um homem comum, incapaz de pensar por si próprio, como a maior parte das
pessoas. Essa afirmação é um eco da frase do filósofo e matemático francês
Pascal, do século XVII: "Nada é mais difícil que pensar".
Reflexão estarrecedora?
Prá mim, foi. E não é a mais pura verdade que pensamos pouquíssimo? E, ao não
pensarmos, reproduzimos ideologias que nos condenam à má qualidade de relações,
à redução das nossas liberdades, enfim, a uma vida empobrecida?
Já mencionei outros
exemplos, vou contar agora somente sobre a “banalidade do mal” no trabalho:
pois não é que há cerca de cem anos o “grande cientista” Taylor, que estudava
àquela época sobre o que se chamou “trabalho inteligente”, no seu livro
“Administração Científica” (ainda “livro de cabeceira” de empresários,
administradores e gerentes), dizia... “do trabalhador não se espera a cabeça
maior do que a ponta de um alfinete”... bela metáfora: o trabalhador não
precisava pensar!!! Deixem isso para os pensadores, os cientistas, você precisa
só... obedecer!!! O chefe torna-se aquela figura que, também não pensando,
reproduz e perpetua a dominação, o “poder sobre”.
Assim, ao longo desses
cem anos, essa idéia tão “embasada cientificamente” repercutiu em terríveis
danos psíquicos a todos nós. A fragmentação mente/corpo, ou melhor, a
fragmentação pensar/sentir/agir repercute de maneira trágica em todas as nossas
relações, na nossa visão de nós mesmxs e do mundo.
Lá pela metade do século
passado é que começa
a ser incorporado ao estudo das organizações a dimensão humana, com a
introdução de disciplinas tais como antropologia, sociologia, história,
psicologia. A mudança de paradigma, ocorre basicamente quando se inverte os passos
para o trabalho inteligente, colocando o quarto passo - a parceria - em
primeiro lugar, ou seja, antes das técnicas para padronização do trabalho (definir
a tarefa, concentrar a atenção nesta tarefa e definir o desempenho). Atualmente, a idéia - a parceria com o
funcionário como ponto de partida para incrementar a produtividade, a qualidade
e o desempenho - já é aceita incontestavelmente, embora apresente grandes
dificuldades de aplicação na empresa, em função da nossa cultura autoritária e
conservadora, assim como do ser humano (forjado historicamente) fragmentado e “não
pensante”.
Ela tem outros livros,
são muito importantes para a compreensão do nosso mundo. Suas idéias sobre
educação são extremamente atuais:
Depois que ela morreu
foi publicado “A Vida do Espírito”, em parte reconstituído após a sua morte a
partir de notas dos alunos às suas lições, e que contém a essência das suas
observações filosóficas.
Hannah Arendt, a teórica do inconformismo, também
defendeu os direitos dos trabalhadores, a desobediência civil e atuou contra a
Guerra do Vietnã (1961-1975). Grande SBCense!!! Nossa homenagem...
SantuzaTU
SantuzaTU